O DIÁLOGO ENTRE TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO E A QUESTÃO CURRICULAR

O DIÁLOGO ENTRE TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO E A QUESTÃO CURRICULAR

Valter Batista de Souza

RESUMO

A importância da relação entre o currículo presencial e a educação à distância é um assunto que vem ganhando importância nos últimos tempos. A educação como um processo formativo que vai além das instituições formais é cada vez mais reconhecida como uma maneira de solucionar os problemas que enfrenta a humanidade. Com a chegada das Tecnologias da Informação e do Conhecimento (TICs), as escolas tradicionais, como o principal espaço para a educação formal, estão perdendo terreno em seu papel na educação e formação das pessoas para a vida. A realidade de muitas escolas em um país como o Brasil é que elas frequentemente carecem de recursos como bibliotecas, laboratórios ou acesso à internet, o que põe em questão a capacidade dessas instituições de cumprirem seu papel primordial de educar para a vida e o trabalho. A partir de uma reflexão sobre essa temática, buscamos a proposição de uma modificação das práticas nas escolas, passando pela necessária rediscussão curricular, sem que isso seja uma tarefa desarticulada do que necessariamente precisa ser estruturado para que o conhecimento e a tecnologia interajam nos espaços escolares de maneira mais naturalizada e não como eternos desafios nunca superados.

Palavras-chave: Ensino a Distância. Tecnologias da Informação e da Comunicação. Currículo Escolar.


ABSTRACT

The importance of the relationship between the face-to-face curriculum and distance education is a topic that has been gaining importance in recent times. Education as a formative process that goes beyond formal institutions is increasingly recognized as a way to solve the problems facing humanity. With the arrival of Information and Knowledge Technologies (ICTs), traditional schools, as the main space for formal education, are losing ground in their role in educating and training people for life. The reality of many schools in a country like Brazil is that they often lack resources such as libraries, laboratories or internet access, which calls into question the ability of these institutions to fulfill their primary role of educating for life and work. From a reflection on this theme, we seek to propose a modification of practices in schools, including the necessary curricular discussion, without this being a disjointed task from what necessarily needs to be structured so that knowledge and technology interact more naturally in school spaces and not as eternal challenges never overcome.

Keywords: Distance Education, Information and Communication Technologies, School Curriculum.


1 Introdução 

Diante da proposta de uma reflexão acerca da formação docente e dos desafios em inserir as novas tecnologias no currículo, identificando possibilidades e dificuldades dos professores mediante o uso das tecnologias em seu dia a dia, buscamos discutir no presente artigo a respeito da importância da relação entre currículo presencial e à distância, a partir da construção do conceito de currículo por Dewey e Sacristán (2000) e da visão trazida por Nicolescu (1999) sobre a Transdisciplinaridade.

Há importantes questões a serem resolvidas para que seja possível estabelecer a implantação de currículos mais inseridos no atual contexto da tecnologia disponível, seja para a vida cotidiana das pessoas, seja para o mundo do trabalho, cada vez mais interconectado e dependente das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC’s). E a educação tem um relevante papel neste processo, bem como a formação de professores e sua educação continuada se apresentam como fundamentais para que isso aconteça.

A partir dessas premissas, nos propusemos a uma reflexão que permitisse compreender as interrelações entre currículo presencial e a distância, bem como à proposição de reflexões sobre como o desafio de termos uma educação formal escolar e um processo educacional que ultrapassa o chão da escola e seus muros e prossegue pela vida das pessoas, que tanto trazem esse conhecimento e essas dúvidas, como levam as aprendizagens para seus cotidianos e como isso pode ser superado.


2 A importância da relação entre currículo presencial e a distância

Educação é um processo de formação que perpassa pelas Instituições formais, mas não se inicia ou finda nelas. Cada vez mais estamos diante de dilemas existenciais que colocam a educação à frente das possibilidades de resolução dos problemas da humanidade. Se a saúde vai mal, percebe-se que a educação pode ajudar ao oferecer condições de que as pessoas saibam como lidar com sua higiene e hábitos alimentares com mais conhecimento. Há problemas quanto à empregabilidade do indivíduo, oferece-lhe nova oportunidade de estudo, para que adquira competências necessárias para ocupar um novo posto de trabalho. Em meio a este cenário, o que se observa é que a educação formal ganha uma enorme importância. Ela faz parte da menor parte do tempo de uma vida, mas determina muitas das condições para sua própria existência.

Educação formal entendida como aquela oferecida por sistemas de ensino estruturados, públicos ou privados, tem passado também por transformações importantes. Com o advento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), a escola, espaço desta educação formal, vem perdendo terreno na importância de educar e formar as pessoas para a vida. Dewey trata a educação escolar como a própria vida, em sua obra, quando discute a importância de se trazer para o ambiente escolar as inovações que se pode acessar fora dela. Mais do que simplesmente ensinar a usar equipamentos, máquinas, ou mesmo as informações que estão à disposição das pessoas nos seus ambientes de trabalho, nos locais de interação social ou até em seus lares, cabe à escola ajudar na reflexão do que estas tecnologias podem trazer de melhoria para a qualidade de vida das pessoas. Não apenas usar, mas saber discernir sobre para que servem, a quem servem e como podemos nos servir delas.

E nessa lógica, a Instituição Escolar, âmbito da educação formal, está muito distanciada da realidade necessária de ser demonstrada e criticada. Ou temos nas salas de aulas da maior parte das escolas os instrumentos necessários para dar conta destas questões? Se num país continental como o nosso, a maior parte das escolas não têm bibliotecas, laboratórios, ou acesso à internet. Se temos uma realidade em que muitas escolas tampouco têm banheiros ou salas de aula adequadas. O que põe em xeque ao ideal de um bom trabalho de educar para a vida e para o mundo do trabalho, funções primordiais das Instituições escolares.

Mas, o trabalho segue seu curso. E numa direção que nos faz ter esperança. Não se nega a necessidade de compreender as tecnologias, em particular as da Informação e da Comunicação (e do Conhecimento) – TIC’s, o que nos leva a buscar que caminhos podem ser trilhados para que a escola do futuro seja mais contemporânea dos nossos alunos do que a escola de hoje.

Não há como ter um modelo de escola que possa ser replicado para dar conta desta missão, mas há como tentar compreender o que se pode fazer para oferecer à sociedade um caminho. E este caminho está sedimentado na ideia de que a escola é transmissora de conhecimento. Valente (s.d.) compreende que 

O conhecimento é o que cada indivíduo constrói como produto do processamento, da interpretação, da compreensão da informação. É o significado que atribuímos e representamos em nossa mente sobre a nossa realidade. É algo construído por cada um, muito próprio e impossível de ser passado – o que é passado é a informação que advém desse conhecimento, porém nunca o conhecimento em si. (VALENTE, s.d.)

Logo, o que faz a escola é buscar a compreensão do conhecimento e a transmissão da informação. Estruturar formas de repassar a informação é um dos primeiros passos. Organizar isso é um desafio antigo. E o caminho escolhido foi a compartimentação dos saberes. A disciplinarização do conhecimento e das informações passou a ser o modelo que seguimos nas nossas escolas. E a reorganização destes compartimentos é feita através de currículos escolares.

Sacristán (2000, p. 173) compreende que “O currículo é muitas coisas ao mesmo tempo: ideias pedagógicas, estruturação de conteúdos de uma forma particular, detalhamento dos mesmos, reflexo de aspirações educativas mais difíceis de moldar em termos concretos, estímulo de habilidades nos alunos, etc”. Compreender currículo escolar como uma forma de transmitir ideias e valores ajuda a compreender a dinâmica de sua estruturação. A quem interessa que determinados saberes tenham mais ou menos tempo para serem trabalhados? De que maneira esses saberes devem ser interligados ou seriados para dar conta de uma boa formação para os aprendentes? Questões em aberto, que Eyng (2010, p.9) também tenta discutir, pois para ele, “O currículo escolar que se consubstancia no projeto pedagógico é a principal estratégia de definição e articulação de políticas, competências, ações e papéis desenvolvidos no âmbito do Estado, da escola e da sala de aula.” 

Nicolescu (1999) em seu “Manifesto sobre a Transdisciplinaridade” destaca que 

A objetividade, instituída como critério supremo de verdade, teve uma consequência inevitável: a transformação do sujeito em objeto. A morte do homem, que anuncia tantas outras mortes, é o preço a pagar por um conhecimento objetivo. O ser humano torna-se objeto: objeto da exploração do homem pelo homem, objeto de experiências de ideologias que se anunciam científicas, objeto de estudos científicos para ser dissecado, formalizado e manipulado. Somos objetos em meio a uma existência subjetiva.

Construímos relações sociais baseadas na necessidade da convivência, mas não questionamos a nossa própria existência, coisificada, premente de um mundo que cada dia que passa tem menos condições para que nossa própria sobrevivência seja assegurada por causa de nossas próprias atitudes. Inclusive, em nossas escolas, onde deveríamos construir projetos que levassem ao questionamento do que estamos fazendo de nossas próprias vidas, valorizamos a competição, em detrimento da colaboração. Damos ênfase à quantidade do que se ensina, não à sua qualidade, pretendemos uma escola que forme cidadãos conscientes e participativos, mas não incentivamos a inciativa, o trabalho em grupo, a busca pelo conhecimento.

E a organização curricular disciplinar não colabora para o enfrentamento desta questão, ao menos não tem dado conta disso. O próprio Niclolescu (1999), faz esta reflexão

Dirão a nós que a humanidade sempre esteve em crise e que sempre encontrou os meios para sair dela. Esta afirmação era verdadeira outrora. Hoje, equivale a uma mentira. Pois, pela primeira vez em sua história, a humanidade tem a possibilidade de destruir a si mesma inteiramente, sem nenhuma possibilidade de retorno.

Na medida em que podemos destruir tudo o que construímos, não seria a hora de começarmos a destruir aquilo que não nos ajuda mais a construir o que pode nos levar a uma vida de mais qualidade, mais simples, mais fácil e mais adaptada aos novos desafios da convivência social e do mundo do trabalho? Sim, pois se algo não está dando certo, por que não alterar-lhe os rumos em vez de aceitar sua imposição como algo natural?

Como o próprio Nicolescu (1999) questiona, a nossa capacidade de destruição é fruto da tecnociência, que “que só obedece à implacável lógica da eficácia pela eficácia. Mas como pedir a um cego que enxergue?”.


3 Um caminho possível?

À luz destes questionamentos, recorremos a Moran (s.d.) para buscarmos uma luz no final deste túnel. Há projetos de aprendizagem que questionam o modelo de escola que conhecemos e que predomina ainda hoje. Embora sejam iniciativas isoladas ou mesmo estruturadas em cursos de pós-graduação, onde o lugar da pesquisa é evidente, a pedagogia vem oferecendo questões para serem ouvidas, refletidas e assumidas como determinantes para o futuro da escola.

A sociedade conectada em rede aprende de forma muito mais flexível, através de grupos de interesse (listas de discussão), de programas de comunicação instantânea e pesquisando nos grandes portais. Enquanto a escola mantém rígidos programas de organização do ensino e aprendizagem, inúmeros grupos profissionais trocam experiências de forma muito mais constante e aberta. (MORAN, s.d.)

É como se houvesse dois mundos diversos, quando deveria haver um só, em que a realidade fosse comum às práticas da vida real e da escola, parte dela. Mas, dar conta de uma escola em que o trabalho em grupo seja valorizado, em que ambientes colaborativos sejam realidade, exige que se compreenda que a compartimentação dos saberes precisa ser revista. E os caminhos para isso podem ser a pluridisciplinaridade, que “diz respeito ao estudo de um objeto de uma mesma e única disciplina por várias disciplinas ao mesmo tempo”, a interdisciplinaridade, que “tem uma ambição diferente daquela da pluridisciplinaridade”, pois “diz respeito à transferência de métodos de uma disciplina para outra” e da transdisciplinaridade, que “como o prefixo ‘trans’ indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina”. (NICOLESCU, 1999).

Como quatro flechas de um mesmo arco, a disciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade são caminhos para a busca do conhecimento.

Moran (s.d.) discute como se pode conduzir processos de aprendizagem colaborativos em Educação a Distância. Para ele, é visível que “maioria dos cursos continua focada no conteúdo mais do que na colaboração, na aprendizagem individual mais do que na grupal”. Isso é o sobre o que tentamos refletir. Mesmo em ambientes virtuais de aprendizagem, com uso de tecnologias novas, ainda se observam inciativas presas à ideia de um currículo disciplinar. Quase como uma repetição das mesmas práticas que observamos nas salas de aula tradicionais, muitos cursos em linha se estruturam como os presenciais.

E o futuro reserva o que? Moran (s.d.) tenta um exercício de previsibilidade.

A educação caminha, fundamentalmente, em duas direções diferentes, uma mais centrada na transmissão de informações e outra mais focada na aprendizagem e em projetos. Ambas terão muita interferência das tecnologias e formatos diferentes dos que conhecemos, principalmente no presencial.

Há esperança de que possamos ter um ensino menos fragmentado, porque na medida em que as tecnologias adentrem as salas de aula, em particular as tecnologias da informação e do conhecimento, o que se espera é uma escola que ofereça ambientes colaborativos de aprendizagem. O próprio Moran (s.d.) nos mostra o que esperar

Tanto a educação presencial como a virtual caminham para modelos diferentes dos que estamos habituados. O presencial se flexibiliza com o virtual e aumenta a utilização de ambientes de aprendizagem com atividades de discussão individuais e em grupo. A educação a distância, na medida em que a sociedade se conecta mais, utiliza mais os mesmos ambientes virtuais para acesso à informação e para compartilhamento de discussões e experiências.

Sendo essa a perspectiva, podemos reforçar a ideia de uma escola mais presente na vida das pessoas como parte delas, não apenas como espaço de transmissão de informação, mas como espaço de construção de conhecimento e de reflexão.


4 Considerações Finais 

É latente a necessidade de valorar o processo educativo, permitindo que o acesso às novas tecnologias seja possível a todos. Democratizar o acesso de fato, não apenas em discurso, como algo normal, não como uma obra inalcançável. Alguns desafios para isso são marcantes. A questão dos recursos financeiros para a aquisição de equipamentos, adequação das instalações e oferta de serviços e aplicativos de cunho educacional é o primeiro. A capacitação de profissionais para fazerem bom uso desses recursos em suas atividades, que demanda vontade, tempo e investimentos financeiros também. A administração de conflitos de interesses e o controle da disciplina para que o uso dos recursos tecnológicos tenha finalidade educacional e não se transforme em mais um problema de indisciplina em sala de aula. A restruturação curricular, para que sejam oferecidos espaços de interação multi-pluri-trans-disciplinar, superando um modelo didático que não coaduna com as novas práticas associadas ao uso dessas ferramentas. Por fim, a criação de aplicativos para uso didático, uma vez que nem sempre o uso dos equipamentos é suficiente para que se assegure a aprendizagem do aluno, além do fato que não é a simples substituição da tecnologia, mas primordialmente a forma como a mesma será utilizada que definirá o sucesso desta iniciativa.

Não se justifica o uso de Novas tecnologias nas Instituições Escolares por si sós, mas porque se faz necessário que romper um modelo ultrapassado de ensino e dar espaço para que se constituam novos arranjos, integrados, mas ao mesmo tempo abertos, numa concepção de ensino em que se valorizem as relações descritas aqui para se oferecer um cidadão que consiga estabelecer os seus papeis na sociedade, valorizando a informação como um bem patrimonial, mas compreendendo que acima dele está o conhecimento, que enriquece nossas vidas e nos assegura maior qualidade em nossas relações e existência.

 

5 Referências Bibliográficas

DEWEY, J. (1978). 1859-1952 Vida e educação/ John Dewey. tradução e estudo preliminar por Anísio S. Teixeira. São Paulo: Melhoramentos; Rio de janeiro: Fundação Nacional de Material Escolar. 10ª edição.

EYNG, A. M. (2010). Currículo escolar. (Série Processos Educacionais). Curitiba: Xibpex. 2ª ed. rev. e atual.

MORAN, J. M. Os modelos educacionais na aprendizagem online. Disponível em: http://www2.eca.usp.br/prof/moran/site/textos/educacao_online/modelos.pdf. Acessado em 11 de fevereiro de 2023.

NICOLESCU, B. (1999). O Manifesto da Transdisciplinaridade. São Paulo: Triom. 3ª Ed. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4144517/mod_resource/content/0/O%20Manifesto%20da%20Transdisciplinaridade.pdf. Acessado em 11 de fevereiro de 2023.

PINHEIRO, M. T. de F; SALES, K. M. B. (2012). A autonomia tecnológica nos processos de formação: oferta curricular semi-presencial em cursos presenciais de graduação. Poiésis-Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação, v. 5, n. 9, p. p. 34-50.

SACRISTAN, J. G. (2000). O Currículo, uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Editora Artmed.

SANTOS, C. A. D. & MORAES, D. R. da S. (s.d.). Tecnologia Educacional no Contexto Escolar: Contradições, Desafios e Possibilidades. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/2085-8.pdf. Acessado em 11 de fevereiro de 2023.

VALENTE, J. A. (s.d.). Pesquisa, comunicação e aprendizagem com o computador. O papel do computador no processo ensino-aprendizagem. In: Tecnologias, currículo e projetos. Disponível em http://portal.mec.gov.br/s

eed/arquivos/pdf/1sf.pdf - pp. 22 a 32. Acessado em 11 de fevereiro de 2023.

 

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